Há quem acredite que a imagem exposta
no Santuário Nacional não é a original. Ela é feita de barro, tem 36 centímetros
de altura e pesa 2,50 kg e todos os
anos, ela recebe uma média de 12 milhões de visitantes em sua casa, o maior
santuário mariano do mundo, a 180 quilômetros de São Paulo (SP).
Encontrada por três pescadores no Rio
Paraíba do Sul em 1717, foi o primeiro símbolo realmente brasileiro e de
alcance nacional, afirma o jornalista Rodrigo
Alvarez, autor de Milagres - Histórias Reais sobre Acontecimentos
Extraordinários Atribuídos à Intervenção de Nossa Senhora Aparecida, 2º volume
dedicado à padroeira do Brasil.
Se a capela original, inaugurada em
1745, tinha 32 palmos de largura por 76 de comprimento (cerca de sete metros
por 16), a basílica hoje ocupa uma área de 72 mil m². É no interior dela que
está a principal atração do santuário: a imagem de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida, com seu manto azul e sua coroa de ouro - esta, doada pela princesa
Isabel, em 1884.
Um dos pontos mais visitados do
santuário é a sala das promessas. Lá, romeiros do Brasil inteiro podem deixar
fotos e objetos em retribuição a graças alcançadas. Todos os meses, cerca de
18,5 mil itens são doados - de vestido de noiva a foto de miss, passando por
caixote de engraxate, placa de carro, luva de boxe e máquina de costura.
Mas, nem só de milagre e devoção é
feita a história de Aparecida. O capítulo mais triste foi escrito no dia 16 de
maio de 1978, quando Rogério Marcos de Oliveira, de 19 anos, tirou proveito de
uma repentina queda de luz para tentar roubar a imagem. O sujeito correu até o
nicho, bateu com força no vidro e, depois de quebrá-lo, fugiu em disparada. Perseguido
pelos fiéis, deixou a imagem cair no chão.
Na mesma hora, Rogério foi mandado
para a prisão e a Aparecida, para o Museu de Arte de São Paulo (Masp). "Mais do que restaurar a imagem, tive
que reconstituí-la", diz a artista plástica Maria Helena Chartuni, de
75 anos, que ajudou a dar um final feliz à história que já dura 300 anos; uma história com vários detalhes
interessantes e enigmas que ainda estão sendo esclarecidos, ou para os quais
especialistas têm explicações diferentes.
➤ Quem batizou a santa encontrada
no rio Paraíba do Sul de Aparecida?
Não houve um "batismo"
oficial. "De tanto o povo falar em
aparecida daqui, aparecida dali, o termo ganhou inicial maiúscula e virou nome
próprio", explica o jornalista Ricardo Marques, autor de Nossa Senhora
Aparecida - 300 Anos de Milagres (Record). A propósito, não foi a cidade que
cedeu o nome para a santa, a exemplo do que aconteceu em Fátima, Lourdes ou
Guadalupe, e, sim, a santa que, no dia 17 de dezembro de 1928, emprestou seu
nome para a cidade.
➤ Como a santa foi parar no rio?
Há pelo menos duas hipóteses. A mais
provável é que, depois de quebrada, algum fiel tenha se desfeito dela — jogando
ela no rio — para evitar mau agouro. "Manter
defunto de barro dentro de casa era certeza de maldição", esclarece o
jornalista Rodrigo Alvarez, de Aparecida - A Biografia da Santa que Perdeu a
Cabeça, Ficou Negra, Foi Roubada, Cobiçada pelos Políticos e Conquistou o
Brasil (Globo).
Outra hipótese, menos difundida,
sustenta que a escultura, exposta numa capela de Roseira, município vizinho de
Aparecida, teria sido arrastada durante uma enchente até o Paraíba do Sul.
➤ Quanto tempo a imagem teria
permanecido no fundo do Paraíba do Sul?
Segundo estimativa de Rodrigo Alvarez,
"não mais do que cinco anos".
Na opinião do jornalista, a imagem pertencia à capela Nossa Senhora do Rosário,
de propriedade do capitão José Correia Leite.
Muito devoto, Correia Leite teria
inaugurado a capela em 1712, cinco anos antes de a imagem ter sido resgatada
pelos pescadores nas águas do rio. Já pelos cálculos do padre José Inácio de
Medeiros, superior provincial dos padres redentoristas de São Paulo, a santa
não ficou cinco anos no leito do rio, mas 50.
"Se
a imagem foi esculpida na segunda metade do século 17 e encontrada no início do
século 18, calculo que tenha permanecido entre 50 e 70 anos nas águas do
Paraíba do Sul", analisa.
➤ Quem esculpiu a imagem da santa?
Até pouco tempo atrás, a autoria da
imagem era desconhecida. Hoje, acredita-se que tenha sido moldada pelo frei
carioca Agostinho de Jesus. "Era
discípulo do mais respeitado artesão da época, o português Agostinho da
Piedade", elucida a historiadora Tereza Galvão Pasin, autora de
Senhora Aparecida - Romeiros e Missionários Redentoristas na História da
Padroeira do Brasil (Santuário).
Pelas características da obra,
chegou-se a cogitar que a imagem tenha sido esculpida pelo santeiro português.
Mas, já no século 20, essa hipótese foi descartada depois de concluírem que
Aparecida fora moldada com barro paulista. "A
argila usada era proveniente da cidade de Salesópolis, região onde nasce o
Paraíba do Sul", explica Padre José Inácio.
➤ Os pescadores que encontraram a
imagem da santa eram, na verdade, escravos?
A Câmara de Guaratinguetá tinha
prometido uma recompensa para quem conseguisse pescar a maior quantidade
possível de peixes. A ideia era oferecer um banquete à comitiva de dom Pedro
Miguel de Almeida Portugal, que estava prestes a assumir o cargo de governador
da capitania de São Paulo e das Minas de Ouro.
O futuro conde de Assumar passaria
pelo vilarejo de Santo Antônio de Guaratinguetá no dia seguinte, 17 de outubro
de 1717, a caminho de Minas Gerais.
Muitos barcos, inclusive o de João
Alves, Domingos Garcia e Filipe Pedroso, saíram de um porto particular, na
fazenda do capitão José Correia Leite, na vila de Pindamonhangaba, vizinha de
Guaratinguetá. Dono de terras e muitos escravos, Correia Leite morreu em 1744. Em
seu testamento, deixou alguns escravos para seus herdeiros. Três deles se
chamavam João, Domingos e Felipe. Seria coincidência?
"Sabendo
que o capitão era o dono do porto de onde os três homens saíram no dia em que
encontraram a santinha, não parece absurdo pensar que Felipe, Domingos e João
eram escravos e foram pescar por ordens do homem poderoso que queria agradar ao
governador", especula o
jornalista Rodrigo Alvarez.
Coincidência ou não, um dos primeiros
miraculados da santa foi um escravo, Zacarias, que teria fugido de uma fazenda
do Paraná. Ao ser recapturado no Vale do Paraíba, pediu ao feitor para rezar
aos pés da santa. Quanto o escravo se ajoelhou, as correntes se partiram, sem
explicação.
O padre José Inácio refuta a tese de
que os pescadores seriam escravos. "Não
há comprovação histórica", justifica. Ele até admite que, naquela
época, pescadores eram tão desvalorizados socialmente quanto escravos, mas
garante que João, Domingos e Filipe eram homens livres.
➤ De quem é a imagem encontrada no
rio?
Para o jornalista Ricardo Marques, não
há dúvidas: é de Nossa Senhora da Conceição. Foi Dom João IV que, em 1646,
promoveu a Virgem Maria ao posto de padroeira de Portugal.
"Por
essa razão, é provável que o dono da imagem fosse português", acrescenta. O reitor do Santuário Nacional,
padre João Batista de Almeida, concorda. E explica o motivo: "É Nossa Senhora da Conceição, sim, porque
ela está grávida. Não tem o menino no colo porque o traz na barriga",
esclarece o sacerdote redentorista, no cargo desde 2016.
➤ A princesa Isabel dizia ter
recebido um milagre da santa?
Tudo indica que não. O que se sabe é
que Isabel e seu marido, o Conde D'Eu, eram devotos ilustres da santa. Tanto
que, vinte anos antes da promulgação da lei Áurea, os dois visitaram a imagem.
Casados havia quatro anos, não conseguiam ter filhos. Dezesseis anos depois, o
casal regressou à Aparecida. E, dessa vez, levou a prole: Pedro, Luís e
Antônio.
Milagre? Não se sabe. Pelo menos não é
reconhecido pelo Santuário Nacional de Aparecida como um dos seis milagres
históricos. Ainda assim, Isabel presentou a santa com uma coroa de ouro de 24
quilates, cravejada de diamantes.
➤ Qual é a cor de Nossa Senhora da
Conceição Aparecida? Branca ou negra?
Para alguns, a escultura de barro
ganhou sua característica em tom escuro por causa do lodo do Paraíba do Sul. "A cor escura foi resultado da ação do
tempo e da água do rio", crava o jornalista Ricardo Marques. Para
outros, o que teria enegrecido a imagem foi a fumaça das velas do oratório
improvisado na casa de Silvana da Rocha Alves, a mãe de João, um dos
pescadores.
"Desde
que foi encontrada no Paraíba do Sul, em 17 de outubro de 1717, até o dia em
que foi transferida para uma nova capela, em 25 de julho de 1745, a imagem foi
submetida à fumaça de candeeiros, velas e tochas por 28 longos anos", explica a historiadora Tereza Pasin.
➤ A imagem exposta no Santuário
Nacional de Aparecida é a mesma que fora encontrada no rio?
Há quem diga que não. Que se trata de
uma réplica perfeita da imagem original, guardada em algum cofre a sete chaves.
O Santuário Nacional de Aparecida, porém, garante que sim. A imagem exposta na
Basílica é a mesma que fora encontrada, trezentos anos antes, nas águas turvas
do Paraíba do Sul.
Mas, por medidas de segurança, o nicho
é protegido por um vidro à prova de balas e está a quatro metros do solo.
Com a exceção da visita de papas, a
santa só sai de lá uma vez por ano. Quem cuida de sua manutenção é Maria Helena
Chartuni, a artista plástica que a restaurou em 1978. Depois de verificar
minuciosamente se a escultura precisa de algum reparo, a imagem é devolvida ao
nicho pelo reitor do Santuário.
➤ A imagem foi encontrada no dia
17 de outubro de 1717. Por que, então, a festa da Padroeira do Brasil é
comemorada no dia 12 de outubro?
Segundo o historiador Leandro Karnal,
a escolha pelo dia 12 de outubro não foi aleatória. Ele cita outras datas, como:
• O descobrimento da América em 12/10/1492,
• A aclamação de Pedro 1º como imperador
do Brasil em 12/10/1822,
• A inauguração da estátua do Cristo Redentor em 12/10/1931,
as quais podem ter sido prováveis fontes de inspiração para a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB).
"A
data passou a ser uma conexão cívica e religiosa, celebração do catolicismo
pátrio, de identidade da fé e do nacionalismo", observa Karnal, autor de Santos Fortes - Raízes do Sagrado no
Brasil (Rocco). Desde 1953, o dia da Padroeira do Brasil é comemorado em 12 de
outubro. Antes disso, já fora celebrado no primeiro domingo de maio, no quinto
domingo da Páscoa, no dia 7 de setembro (Dia da Independência) e no dia 8 de
dezembro (Dia da Imaculada Conceição).
Fonte:
BBC.com/Brasil
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